LITERATURA DE NELSON LORENA

A LITERATURA DE NELSON LORENA

Nelson Lorena, Patrono Eternal da Cadeira Nº.13 da Academia Cachoeirense de Letras e Artes, escreveu centenas de crônicas sobre história, ciências, política, filosofia, arte e  religião, além de saborosas páginas onde retrata o cotidiano com espírito crítico e refinado senso de humor, entremeados à exaltação do amor à sua "terra pequenina".

Aos que desejarem conhecer melhor a literatura do Artista Cachoeirense, encontra-se disponível no site Clube de Autores o livro "CRÔNICAS de Nelson Lorena" contendo todas as matérias publicadas pelo Jornal "O Cachoeirense" entre 1977/1996, sob a direção do professor e jornalista José Maurício do Prado.




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Publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano V, edição nº.211, de 22 a 28 de junho de 1981.

DIRIMINDO DÚVIDAS

O Museu Maestro Lorena , sito à rua do mesmo nome, foi inaugurado em 4 de fevereiro de 1976 em festa íntima, particular que é, com o objetivo principal de prestar-se uma homenagem ao Maestro Lorena, meu extraordinário Pai, no centenário de seu nascimento e ali perpetuar as suas produções, como o mais fecundo compositor do Vale do Paraíba e as de seus descendentes, na pintura, na escultura, no desenho, na madeira entalhada, na fundição, na poesia, na literatura, na música, nas artes, enfim e na história. Jamais recebeu qualquer auxílio financeiro de terceiros, mas apoio moral e estímulo, não lhe têm faltado por parte dos visitantes, já em número aproximado de dois mil. A parte histórica da cidade, representada em telas a óleo, assim como os seus aspectos antigos, um georama inédito da vida do município retrata o nosso passado perpetuado na imagem. Suas fases evolutivas mostrando os anos 1780, 1876, 1932 e 1976, são apreciadas como se víssemos a cidade em alto relevo, a “voi d’oiseau”. Cerca de trezentos estudantes e professores de vários estabelecimentos de ensino, daqui e cidades vizinhas, já o visitaram em busca de subsídios aos seus conhecimentos em curso. Aquilo que aprendemos sobre a vida pregressa de nossa Cachoeira, vem sendo ensinado aos alunos, à vista dos elementos visuais que conseguimos fazer. Acontece que, agora um dos meninos alunos disse-me que estava com “minhocas na cabeça”, porque aprendera que a cidade teve sua vida oficial começada em 6 de agosto, mas que o jornal da terra, vem dizendo que a data é 13 de junho. Fui obrigado a desfazer a dúvida dizendo-lhe que, historicamente, as coisas assim se passaram: A cidade de Cachoeira começou com a ereção de uma capela construída por Sebastiana de Tal, em 6 de agosto de 1780, dia da transfiguração do Senhor Jesus. Em 1784, Silva Caldas, que possuía uma sesmaria na margem direita do Paraíba avançando até a serra da Bocaina, adquiriu e fez doação de uma gleba de terra para patrimônio do Bom Jesus da Cana Verde. Os marcos de pedra limitando o terreno como todos os outros eram fincados no chão assentes com cal e terra. Pesquisando sempre, conseguimos com meu filho e o professor Jair Alves Barbosa, achar o marco na foz do rio da Aguada, assente com terra, cal e cacos de telha. A margem direita do Paraíba era mato virgem, em 1786. A capela reconstruída foi inaugurada em 6 de agosto de 1786 e o episódio, pintado por nós em tela, acha-se no Museu como A Primeira Missa, cujos detalhes omitimos por escassez de espaço. Oitenta anos após nascia a vida na margem direita, talvez antes até, quando foi erigida a capela de Santo Antonio, possivelmente em 13 de junho inaugurada. Era esta de madeira coberta de telhas. Concluindo: até que se prove o contrário, seis de agosto é o aniversário da modesta mas, querida Cachoeira, que espera nesse dia a lembrança do povo e a dos poderes públicos. Diz Carlyle que a falsidade da História é tão velha como a própria história. Mas com respeito às exceções, como a falsidade comanda a vida, deve-se acatar entre os fatos, o que mais se aproxima da verdade, sempre firmada no confronto das pesquisas.


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Publicada no jornal “O Cachoeirense” Ano II, Edição nº. 50, de 01 a 07 de maio de 1978.

VANITAS VANITATUM

A vaidade constitui uma das chagas morais que nossas almas conservam desde que a vida apareceu sobre a Terra. Uns a demonstram na sofisticada postura com que se apresentam em sociedade, são loquazes gostam de aparecer em público e fazem muitas vezes o bem, mas com alarde. Disputam cargos e posições de relevância, sempre para satisfação dessa fraqueza. Fundam sociedades filantrópicas e, visam não tanto o bem, mas a sua popularidade com menções em jornais e revistas. Dão aos filhos nomes pomposos e históricos, para que se destaquem entre outros. Aí temos os Allan Kardec, os Nelson, os Ney, os Wagner, os Rafael, os Jesus, os João Batista, os Cícero, etc. e, a propósito, queremos mostrar como é antiga essa virtude negativa. Contam que o Farol de Alexandria, uma das sete maravilhas do mundo antigo, foi construído por Sóstramo de Cinido no ano 279 AC, por ordem de Ptolomeu Filadelfo. A fim de resistir à corrosão das águas do mar, Sóstramo construiu-o sobre blocos de vidro e mármore, ajustados com chumbo derretido. Na base do Farol escreveu seu nome, Sóstramo, em estilete. Ptolomeu, no entanto, ante a magnitude da obra cuja luz se via desde oitenta quilômetros de distância, mandou escrever sobre o nome de Sóstramo o seu nome, Ptolomeu. Mas isto foi feito com material de pouca duração e, com a ação do tempo e das vagas do mar em embates constantes sobre a base do monumento, foi desaparecendo o nome de Ptolomeu e ficando o de Sóstramo. O tempo mostra, às vezes, o efeito negativo da Vaidade e também o positivo, até mesmo, porque a virtude se modifica. Diz Alibert que a Vaidade, apesar de tudo, não deixa de ser um dos mais fortes motores do progresso, das artes e da prosperidade humana. Dizemos que ela é um Mal. Mas, que é o Mal, senão o Bem, mal compreendido? Às vezes, de um ato sensual, erótico e pecaminoso é que nasce um gênio. Da decomposição de nossos corpos nascem as flores que perfumam as necrópoles. O que foi, senão a Vaidade, que nos fez construir algumas obras de duração centenária ou talvez eterna? Ai do progresso de nossas cidades, se não fossem estimulados pela vaidade! Grandes vultos da história cultivavam-na. Napoleão a explorava no soldado herói, fazendo dele um general, Murat. Na França, no esplendor do século das luzes, existiam para a glória de sua literatura as figuras célebres de Lamartine, Victor Hugo e Alfred de Musset. Estando certo dia Lamartine e Victor Hugo a conversar, entregaram-lhes uma carta fechada com o seguinte endereço: “Ao maior poeta de França”. Victor Hugo entregou-a a Lamartine dizendo: “Isto é com você”. Lamartine leu o envelope e devolveu a carta a Victor Hugo respondendo num riso forçado: “Oh não, Hugo é com você mesmo”, e do turíbulo da Vaidade o incenso começou a perfumar e a rasgarem-se as sedas entre os elogios recíprocos. E resolveram abrir a carta, que assim começava: “Meu caro Alfred”. Era a Alfred de Musset endereçada.


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Publicada em “A Tribuna” no início da década de 70 e republicada postumamente no Jornal “O Cachoeirense” Ano XIX, edição nº. 785, de 04 a 15 de fevereiro de 1996.

OS CARNAVAIS DE OUTRORA EM CACHOEIRA PAULISTA

A primeira notícia que conhecemos sobre o nosso carnaval data de 1879 quando A.Cacarro, segundo jornais da época, encabeça as festividades de Momo despertando a mocidade da terra para a maior das festas populares do Brasil. Segundo as “Memórias” de meu Pai, eram os Vieirinhas Borges, os Moreira Formiga, os Lombas, os Moreira, os Fortes, José Estreito, todos portugueses que, reunindo entusiasmo, prestígio e poder financeiro, estimulavam essas festividades com carros alegóricos, músicas, bailes, contratando no Rio de Janeiro, moças, figurantes e atraentes, para embelezamento dos préstitos nos fins do século passado. Em 1893, nosso carnaval sofreu as consequências da revolta contra o Floriano, pois, durante os festejos foi ordenado o recrutamento e houve uma debandada dos rapazes pelos morros do Severino e da Igreja pondo fim às festividades. Nos princípios deste século, nas bisnagas nos limões de cheiro, na farinha de trigo, nas fantasias, nas máscaras, residia o nosso carnaval; os rapazes se reuniam num casarão na descida da Matriz de Santo Antonio, ali vestiam suas fantasias e invadiam as casas de familiares com a costumeira pergunta: “Você me conhece?”. Era assim o carnaval, até 1920. Na década de 1920/1930, Cachoeira viveu o maior esplendor de seu carnaval. Confetes, serpentinas, lança-perfumes, consistiram nossos artifícios durante o reinado de Momo. Operários do 8º Depósito da Central fundaram a Sociedade “Quem fala de nós tem paixão”. Do Pai do autor desta narrativa, encontra-se o seguinte:

“Um grupo de pretos humildes, Honorato, Benedito Lorena, Chico Vianna, Pascola Addeo, chefiados pelo guarda-freios Damâncio, descia o morro da Igreja, fantasiado, cantando e dançando com pandeiro e reco-recos, quando se encontrou com os “Quem fala” (como o vulgo se referia à Sociedade do Depósito), cujos componentes obrigaram os pretos a voltar, dissolvendo o grupo, impedindo-os de percorrer as ruas. Achei este fato indigno e, no dia seguinte reuni os músicos da Banda XV de Novembro que eu dirigia, fizemos uma passeata com os pretos, demos bailes numa casa em frente à Estação Rodoviária (velha) e fundamos a Sociedade “Prazer das Morenas”, cujo título foi escolhido pelo Chico Vianna, em sua proverbial generosidade. Fui eleito Presidente, dirigindo-a durante sete anos. Fizemos cordões carnavalescos com enredos, os mais belos e luxuosos, préstitos com carros alegóricos e críticos, tudo com requintado gosto e arte, culminando com Corso e bailes. Viajantes que aqui aportavam, classificavam nosso carnaval como um dos melhores do Estado; acorriam para Cachoeira turistas de todo o Vale do Paraíba em automóveis e “jardineiras”. Comprei o prédio da Sociedade por quatorze contos, com a obrigação de pagar dois contos por ano. Somente a deixei depois de solvido o compromisso e com a escritura. Durante quatro anos nos mantivemos gratuitamente com os músicos, Nelson Lorena, Milton Lorena, Biloca, Pedrinho Rossetti. Hoje a Sociedade tem o pomposo título de Clube Literário, embora ali ninguém se dedique à literatura. Foi fundada também a Sociedade “Paz e Amor”, por João Mineiro, que emprestou singular brilho ao nosso carnaval, como também a “Quem Fala”, cuja rivalidade com o “Prazer das Morenas” gerou vários conflitos. Os salões das Sociedades eram indevassáveis, neles tendo ingresso somente os reconhecidos aficionados dos Clubes, para que o sigilo dos enredos fosse mantido. A elite participava dos cordões, figurando neles a fina flor da sociedade cachoeirense, com indumentárias adequadas ao enredo, bordadas em seda, vidrilhos, miçangas e lantejoulas, dançando pelas ruas, envolta nos bombardeios das serpentinas atiradas pelas hostes de Momo; paralisavam-se os bailes para que fossem retiradas as espessas camadas de confetes que encobriam o assoalho, impossibilitando o movimento dos foliões. Os enredos da “Corte da Rainha de Sabá”, foram os que mais impressionaram o povo. As “domingueiras”, os ensaios de carnaval, os bailes e matinês eram nossas constantes atividades. Hoje, o Clube tem nova sede construída na gestão de meu filho Nelson, que também fez o projeto.”

Havia amor pelo Clube, patenteado pela dedicação e trabalho gratuito, emprestados pelos Macedo e operários da Central, de um lado, e de outro, Avelino Ventura, José Moreira Barbosa, Homero Brandão, Pércio Cardoso, Pascola Addeo, Quincas Ferreira, Tonizinho, João Barbosa, Antonio de Oliveira, Zildo Brandão, Vicente Buono, João Africano e muitos outros filhos desta terra que, no passado, deram um exemplo do que se pode fazer quando se objetiva projetar nossa Cachoeira no cenário do progresso.

E havia para isso tudo um cérebro, um homem inteligente, caprichoso, dinâmico, chamado Maestro Lorena, que anualmente se afastava da Central para se dedicar inteiramente aos interesses do Clube. Como lamentamos haver desaparecido, com esta geração agora aqui lembrada, a tenacidade, a perseverança, o amor à terra e o espírito de sacrifícios que tantas glórias deram a Cachoeira.


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Publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano VII, edição nº. 411, de 05 a 11 de agosto de 1985.

HÁ TEMPO DE NASCER E TEMPO DE MORRER
(Eclesiastes)

Faz exatamente vinte e quatro anos que não vejo meu extraordinário Pai, mas o sinto a todo instante. Em minha vida pública foi ele o meu guia e o meu melhor amigo. Outro o tive, igualmente, em minha vida funcional, Alberto de Barros. Comungávamos a mesma crença e, dizia-me ele em nossos diálogos: “O espírita é um homem do seu tempo”. Meditando sobre o que de oculto encerrava essa sua frase, lembrei-me de outra equivalente, no Eclesiastes: “Há tempo de nascer, há tempo de morrer”.

Filosofando sobre este pensamento bíblico, conclui que o homem, dentro da faixa de seu tempo, deve aplicar todo seu esforço e aptidões na edificação do mundo e da família humana à qual pertence, seja na Ciência, na Jurisprudência, na Política, na Medicina, na Caridade, no trabalho em geral. Sobre as rodas de tais atividades é que a humanidade caminha.

Desde tenra idade tive a felicidade de compreender o problema, dedicando-me à musica, ao estudo da pintura, ao magistério leigo, à escultura, ao jornalismo, ao urbanismo, à religião, com a pretensão bairrista de colaborar para a projeção de nossa modesta cidade e seu povo, no Vale. Recebi muitos estímulos, alguns elogios e, alguma ingratidão de irmãos e amigos, também se fez sentir.

Resolvi ser um Homem do meu Tempo, e consegui. Despertou-me ele agora, no ocaso, para coisas estranhas que se passaram. Agressões, mutilações e abandono, que de há muito vêm sofrendo minhas obras, feitas com amor e carinho, sem nenhum interesse lucrativo. O São Cristóvão derrubado, a Mãe Preta e o soldado na Praça, mutilados, a rejeição do monumento agropecuário, o abandono dos projetos da pista dupla da Avenida Maestro Lorena, da passagem subterrânea da via férrea, do embelezamento da fonte da Mão Fria, despertaram-me para as conclusões. Tudo tem sem Tempo. As exposições de Arte, organizadas pelo Clube recreativo da cidade, vieram tornar mais claras as razões daquilo que, até então, me era estranho.

Um novo conceito de Arte desponta pelo valor das obras ali expostas. Gente nova, mentalidade nova, concepções novas e, à lembrança do Alberto de Barros, o artista também é um homem do seu tempo. O meu já se passou. As mágoas, os dissabores e as desilusões foram sufocados com as esperanças alvissareiras de um advento de progresso, que tanto almejamos para nossa terra. Que o Terceiro Milênio, ainda com o Eclesiastes, encontre os nossos filhos alegrando-se e fazendo o Bem, enquanto lhes dure a Vida.


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Publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano I, edição nº. 32, de 23 a 29 de dezembro de 1977.

MEDICINA E CURANDEIRISMO

O conceito de legalidade ou de ilegalidade varia com os tempos; o que era ilegal em outras épocas hoje está legalizado; o que era legal tornou-se ilegal. As leis se modificam com os usos e costumes, decorrência que sofrem dessa transição. E, quando obsoletas agasalham no seu bojo, a ilegalidade. Isso considerando, resolvi expor meu ponto de vista sobre o assunto após uma advertência que certa vez me fez um médico, com o qual conversávamos sobre a medicina intuitiva ou mesmo instintiva. Disse-lhe que diagnosticara em uma mocinha, tuberculose pulmonar; sem a intervenção médica comprei-lhe os remédios, fez o tratamento e hoje está curada. Advertiu-me que isso era medicina ilegal, que seu exercício implicava em transgressão da lei e que o exercício ilegal da medicina é curandeirismo. Comecei a meditar sobre os erros legais da medicina, de um lado, e sobre as curas do curandeirismo gratuito do outro; sobre a humildade dos cientistas russos que buscam ensinamentos e subsídios para a arte de curar na medicina intuitiva e instintiva dos camponeses russos, nas longínquas paragens da Sibéria; sobre o dom de curar que independe da cultura; sobre a ciência médica que dela depende, sobre a superioridade daquela sobre esta; sobre o estímulo que a lei oferece ao uso do fumo e do álcool, os dois maiores inimigos da humanidade, oficializando a degeneração de um povo. Que importa o aniquilamento do viciado e seus reflexos em sua geração se somente o álcool representa 15% da receita de nosso país? Ignoramos se, no exercício legal da medicina, foram punidos os médicos que deixaram no estômago de uma senhora na Itália uma pinça, e também os que levaram o deputado Gayer ao suicídio, desenganado por neoplasia maligna que a autópsia não constatou; se punido, o facultativo que diagnosticou tuberculose num paciente aconselhando-o a vir para São José dos Campos, o qual relatando ao companheiro de viagem na barca de Niterói sua desdita, subitamente, num ato de desespero, se atira ao mar; minutos após, parada a barca, foi retirado e o exame cadavérico revelou engano, pulmões perfeitos. É a ilegalidade dentro da lei. Há mesmo um ditado francês que diz: “Os erros dos médicos, a terra os cobre.” Há muitos anos, um sírio, em Goiás, foi esfaqueado, em um lugarejo sem nenhum recurso da medicina; caído ao chão, os intestinos extravasaram misturando-se à terra; homens do povo o socorreram, puseram seus intestinos numa bacia, lavaram-nos em água de sal e, verificados limpos, na cavidade abdominal os colocaram; costuraram precariamente o peritônio e a pele e, surpreendentemente, o sírio curou-se! Em 1958, fui chamado de madrugada para ver minha mãe em estado grave. Os sintomas não me eram estranhos, pois já havia perdido uma irmã nas mesmas condições, com edema agudo do pulmão; o caso requeria socorro urgente; como este retardasse não tive a menor dúvida em lancetar com uma lâmina de gilete a radial em sentido longitudinal; com o alívio e o agradecimento de minha mãe! Prolonguei com “desrespeito da lei” os dias seus. Salvar vidas não constitui privilégio concedido pelas academias, mormente quando a “ordem” vem do Alto. Qual pai que, vendo seu filho atacado por abelhas, por exemplo, já com sintomas de choque anafilático, esperaria pela medicina, se prontamente, pudesse lhe aplicar injeções de Fenergan, Coramina, Cafeína e, na veia, Gluconato de Cálcio? Não teria eu a menor dúvida em ser curandeiro. Muita coisa interessante a ciência médica haveria de aprender se, se aproximasse da ilegalidade do curandeirismo. Foi mesmo nesse meio que ela, segundo luminares da medicina, aprendeu de um monge o uso do antimônio; de um jesuíta, a cura do paludismo; de um frade, como extrair a pedra bezoar; de um soldado, como curar a “gota”; de um marinheiro, como evitar o escorbuto; de um agente postal, como sondar a trompa de Eustáquio; de uma vaqueira, como evitar a varíola; de uma velha mulher, vendedora de mercado, como extrair o agente da sarna ou escabiose, e, agora mesmo, por empréstimo, a acupuntura dos japoneses. Há um objetivo comum entre a arte de curar, de roupas brancas e pés calçados e a dos pés descalços e vestes humildes, que é o alivio aos males da humanidade. Falhas as há dos dois lados. A corrida para o curandeirismo se deve mais à miséria e pobreza de uma classe que, entre os dois centavos por minuto que ganha e os dez cruzeiros pagos ao médico por minuto de consulta, escolhe a que melhor condiz com a sua sobrevivência.



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Publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano III, Edição nº. 90, de 05 a 11 de fevereiro de 1979.

O TOCADOR DE FLAUTIM E SEU GATO PRETO

Parece-nos absurda a ideia de que, antigamente, também os animais eram condenados à morte por “crimes” praticados. As penas, após a leitura do processo eram proferidas pelos padres e juízes, segundo crônicas que chegam até nós, desde a Idade Média. Os porcos, as cabras, os cães, os gatos, qualquer animal que praticasse contra o homem atos prejudiciais à sua integridade física, eram sacrificados em praça publica, com os mesmos aparatos dos criminosos humanos. Conta-se que um gato em Bar-le-duc, na França portanto, foi enforcado porque asfixiou uma criança que dormia no seu berço. Mas os gatos pretos eram os preferidos pelas bruxas e feiticeiros e, talvez daí, a perseguição sistemática aos bichanos, mesmo isentos de crimes. Sua astúcia e sua cor pareciam denunciar certa conivência com o Diabo. E era o próprio Rei quem acendia as fogueiras de São João, sobre a qual, suspensos por corda, punha-se um saco de linho ou um tonel apinhado de gatos pretos. Era na época, a mais interessante festa popular em França, somente superada, mais tarde, pelos 14 de julho, dia da queda da Bastilha. Para agradar ao Rei, havia uma banda de música com sete trombetas; havia convidados especiais, aos quais eram oferecidos buquês de flores e chapéus de rosas. Mais de duzentos arqueiros e arcabuzeiros formavam-se em circulo para evitar atropelamentos e conter o povo; fogos de artifício, tiros de canhão, foguetes, bombas e canções da moda. Dentro do saco de linho, os gatos impacientes, miavam aterrorizados; viviam seus últimos momentos. Para dar maior prazer ao Rei, amarravam ao feixe de lenha, uma raposa. Uma tocha de cera branca, empunhada por veludo vermelho, era dada ao Rei que, como juiz e carrasco de gatos, acendia a fogueira. Uma corda de 9 metros, bem acima das fogueiras, sustentava o saco de gatos presa a um molinete que, num movimento de vai e vem, fazia os gatos passarem sobre as chamas que se elevando, queimavam ou sapecavam os bichanos. Mas quando o fogo rompia o tecido do saco, os animais caiam sobre as chamas, com a massa no auge da alegria. Era uma festa “maravilhosa”, que o diga o Santo Francisco de Assis! Segundo Bossuet, “a Igreja deixou de assistir a esses espetáculos, somente para banir deles as superstições, de quais as civilizações através dos séculos não conseguiram libertar-se”. De fato, ainda pesa sobre o gato preto uma maldição, usado que é na bruxaria, feitiçaria e sortilégios vários, na suposição de obterem-se malefícios, benefícios ilícitos, ou a volta de um amor desprezado. Lembro-me de que na Banda de Música de meu Pai, havia um tocador de flautim, alfaiate, vesgo com um estrabismo divergente que, desejando casar-se com uma moça rica, resolveu estudar e dedicar-se ao hipnotismo na suposição de que, de posse dessa faculdade, pudesse conseguir o amor e também a fortuna da Senhora amada. Era 1916. Nosso Grêmio Dramático funcionava com ensaios todas as noites, eu era amador, com Reinaldo, Joaquim de Castro e muitos outros. Emilio Riciardi, o “hipnotizador”, praticava sua arte após os ensaios do Teatro. Alguns amadores queriam ajudá-lo e se expunham a ser “sujets”. Mandava-os ao palco e os três à sua frente o fixavam nos seus olhos, se bem me lembro. Após alguns instantes; julgando-os hipnotizados, dizia-lhes: “caiam sobre mim”, era esta mesma a ordem; mas o Zezinho Benaton, sempre moleque e engraçado, com as mãos estiradas para baixo, como todos os outros, fez um gesto de quem dá “uma banana” para o Emilio que já se sentindo fracassado, acabou desistindo de continuar. Eles diziam que a fixação nos olhos do Emílio era difícil, porque uma íris estava à direita, outra à esquerda! Não desanimou o tocador de flautim. Resolveu solucionar o caso tentando a macumba, ou coisa que o valha. Foi-lhe exigido um gato preto. Como não o conseguisse, lançou mão de um bichano amarelo na janela do Cel.Domiciano, levou para casa e o pintou de piche, deixando para secá-lo ao sol. À tarde, arranjou um saco para levá-lo ao feiticeiro. Achou-o morto e endurecido no piche, e, com ele a frustração de um sonho de grandeza e opulência que, no coração da Mariquinha Fortes, desejava realizar. E assim, a superstição que a Igreja queria banir persiste até os nossos dias.


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Publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano I, edição nº. 36, de 20 a 26 de janeiro de 1978.

O DILÚVIO BÍBLICO

Aceitar as coisas que por várias fontes nos são reveladas sem o menor senso de uma análise que incida sobre sua possibilidade constitui um hábito muito comum em nossa gente. Muitas vezes a Fé em casos, para muitos, inexplicáveis, supre a deficiência da Razão. Esta, que é a faculdade de compreender, discernir as coisas, varia de pessoa a pessoa, considerando-se as gradações naturais da evolução anímica. Quem se situa na base da Torre Eiffel, divisa o Arco do Triunfo e adjacências; quem vai ao último andar, divisa até trezentos quilômetros além. Duas pessoas conversavam nos bancos da Rodoviária sobre o Dilúvio, assunto que a chuva que caía inspirou. Era de se ver como a autenticidade da narrativa era ardorosamente defendida pelo expositor. Solicitada minha opinião, por saberem a diversidade de minha crença, opinei pela impossibilidade do caso ou fato, pelas razões que fraternalmente expus. Como diz a Bíblia, Deus se “arrependeu”, como qualquer mortal, de haver criado o homem pelas iniquidades que este praticava, (a iniquidade nunca foi tão disseminada como atualmente) e resolveu exterminar da face da Terra, homens, mulheres, crianças, animais, aves e répteis, que nada tinham com a dissolução humana, que também pereceriam! “Arrependeu-se” também em criá-los; como qualquer um que fracassa em suas realizações! Submergir a Terra, afogar a iniquidade humana foi sua resolução. Noé e sua família foram poupados pelas virtudes que possuíam e considerados justos perante Deus, que lhe deu uma tarefa que mais parece um castigo que recompensa. Deu-lhe Deus o prazo de sete dias para construir uma arca de 180 metros de comprimento por 50 de largura, com tábuas aparelhadas revestidas de betume, com vários cômodos internos, com uma janelinha de 60 centímetros (um côvado) e uma porta. Concluída, entrar na arca com sua família, composta de esposa, filhos e noras, um casal de cada espécie de animal, aves e répteis, alimento para si, sua família, para todos os animais. Dentro do prazo de sete dias, teria Noé que fazer chegar à arca, ursos brancos dos Polos, renas da Sibéria, cacatuas de Java, cangurus da Austrália, lhamas do Peru e outros de habitat diferente do Oriente Médio. Choveria quarenta dias e quarenta noites. Inundou-se a Terra; todo ser vivente morto; isto durou cento e cinquenta dias! Até que a pomba solta voltasse com um ramo de oliveira. Onde conservaria Noé a carne para os animais carnívoros? Somente um casal de leões consome em 150 dias carne de quatro bois. Agora, as consequências desagradáveis: seres humanos em promiscuidade com animais, num ambiente sem luz, sem renovação de ar, imundície e miasmas, podridão das dejeções ácidas dos animais, a obrigação do tratamento dos “pensionistas”, tudo isso foi uma tarefa cruel, imprópria para o Deus que aprendemos admirar através das maravilhas de Sua obra! Por isso, para mim, o dilúvio bíblico foi uma lenda, muito mal engendrada. Essa, minha opinião. Isto dito, não pude observar a reação que poderia experimentar o eufórico expositor, pois, meu ônibus estava para partir. Durante a viagem fiz um paralelo entre as tarefas dadas em sete dias para Noé e as dadas em sete horas por um amigo, grande amigo meu, que me mandou chamar em casa para assistir seus últimos momentos em previsão fraterna. Era ele um homem ativo, dinâmico, afeito ao trabalho. Foi em 1937. Era necessário fazer uma represa em curto prazo, para levar água desde o Asilo Espírita, a 180 metros de distância. À tarde, fui ver o serviço encontrando os dois homens incumbidos do trabalho, desesperados. “Seu Nelson; o patrão mandou nóis cortar pau, fincar, alargar o reservatório, escorar com bastante terra, fazer uma valeta na extensão de 180 metros, e agora à tarde vinha ver se o serviço tava pronto!” “Nóis só cortamos os paus, fincamos e puxamos um pouco de aterro e estamos como o senhor vê, suando que nem burro! Seu Tônio Ferreira deu pra nóis serviço pra uma semana e disse que agora à tarde vinha ver se tava tudo pronto!” Meu amigo sabia a tarefa, demasiada e impossível em sete horas. Ele não gostava era de “cozinhamento de galo”, como se diz na gíria, porque, dizia ele evangelicamente, “Digno é o trabalhador do seu salário”.


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Publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano IV, edição nº. 191, de 26 de janeiro a 1° de fevereiro de 1981.


A ÁRDUA E LONGA BUSCA DA VERDADE

A ciência dos homens caminha por uma longa e interminável estrada, construída sobre a areia movediça das teorias e das hipóteses. Os postulados e as afirmativas consagradas se assemelham às pousadas, onde o viandante extenuado descansa medita e reformula os seus princípios, antes de reiniciar a jornada. Que sabe a nossa Ciência sobre as origens das galáxias, do Sol, da Terra, do homem? Ainda caminhamos sobre o terreno fugidio das hipóteses, que se contradizem à medida que novos conceitos se firmam. A teoria geocêntrica de Ptolomeu aceita pela humanidade durante 14 séculos e defendida pela Igreja apoiada nas Escrituras, a Terra girando sobre seu próprio eixo, foi derrubada por Copérnico com a teoria Heliocêntrica. Louvam-se os erros, quando praticados na busca para o Bem da humanidade. Assim foram os de Hipócrates e Galeno, corrigidos por Vesálio e Paracelso após mil e quatrocentos anos. Os matemáticos afirmavam que a maior área ocupada por um hexágono seria a que os seus ângulos maiores tivessem 109 graus e 26 minutos e os menores 70 graus e 34 minutos; esta a conclusão que Koenig, eminente matemático, chegou ao responder o problema proposto por Reumar, físico e naturalista, e que consistia no seguinte: ”Construir um prisma hexagonal, limitado por paralelogramos de base piramidal de três aberturas iguais, de modo que o tamanho dos respectivos ângulos permita a maior capacidade possível, com um gasto mínimo de material”. Juntamente com Koenig, outros matemáticos participaram da solução do problema. Aconteceu que um navio mercante deu num escolho, abrindo-lhe o costado. Responsabilizado o comandante, este prova não haver culpabilidade sua, porque seguia as tabelas logarítmicas das escolas náuticas do país. E foi nessas tabelas que se baseou Koenig para a solução do problema. Admitido o engano das tabelas, passaram os sábios a examinar as células das abelhas em várias colméias e acharam as modestas abelhas, indiferentes aos erros dos homens, a fazerem seus alvéolos com os ângulos maiores de 109 graus e 28 minutos e os menores com 70 graus e 32 minutos, assim como “aprenderam” com o “Mestre Maior”. Havia uma diferença de apenas 2 minutos em cada ângulo, mas havia. Revisto o cálculo por Koenig, este coincidiu com a “velha tradição das abelhas”. Agora, outros fatos vão dar dor de cabeça para todos os interessados. Nos Estados Unidos, verificou-se que no hospital de San Vicente, em Nova York, uma criança viveu durante sete dias sem massa encefálica. A criança alimentava-se com regularidade, chorava e movia os braços normalmente. “O que mais me assombrou”, disse um dos médicos, “é que a criança sentia dores, o que foi comprovado.” E isso, porque a Ciência sempre sustentou que o sistema nervoso transmite ao cérebro a sensação de dor em qualquer parte do corpo. Então o cérebro não seria mais o órgão das sensações? Agora, na Inglaterra, surge um estudante que praticamente não possui cérebro! Seu QI é de 126, quando normalmente vai de 86 a 116, ótimo aluno de matemática. Tem ele o córtex cerebral com apenas um milímetro de espessura em região que deveria possuir 4,5 milímetros. Todo o seu cérebro pesa apenas 100 gramas, longe do normal de 1.500 gramas! O neurologista Dr. John Lorber nos dá essa notícia e acrescenta que há outros casos em que crianças com cérebro completamente destruído, são completamente normais. O que aprendemos é que, o hemisfério direito comanda o lado esquerdo do corpo, e o esquerdo, o lado direito. Que as sensações são levadas ao cérebro pelos nervos aferentes e, se não me engano, pelos deferentes retornam. Quanta teoria será derrubada ante os assombrosos casos apontados! Inclusive a do “pensamento como ação exclusiva do cérebro”, enunciada por Haeckel e seguida pelos materialistas. Que a Ciência, “após o descanso à beira da estrada”, reinicie sua jornada reformulando hipóteses e teorias outras que os fatos parecem demonstrar superadas.


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Publicada no Jornal "O Cachoeirense", Ano II, edição nº. 84, de 25 a 31 de dezembro de 1978.

A DIFÍCIL ARTE DE GOVERNAR

Em toda minha vida de funcionário publico esquivei-me a uma posição de mando. Mesmo em posição hierarquicamente mais elevada que meus colegas, preferi sempre a condição de subordinado. Jamais dei uma ordem a um contínuo ou impus deveres a um servente, que sempre me atenderam ao favor solicitado. Considero tremenda, a responsabilidade de mandar, governar, atribuições que possuem ligação muito íntima com a Moral e bondade de coração, virtudes escassas no homem de hoje nas quais tem seu fundamento todo princípio de autoridade. Talvez que minha idiossincrasia por uma posição de mando tenha sua razão de ser, na posse precária dessas virtudes. Os governantes, por mais honoráveis, por mais respeitáveis, por mais honestos que sejam considerados, deixam geralmente por onde passam as manchas de seus escorregões. Nas Revoluções, como na Política, é maior o número daqueles que delas se aproveitam, que mesmo o daqueles que as fazem. Os amigos, os parentes, são de ordinário, os mais beneficiados; para estes, as atenções são prioritárias; secundárias para a coletividade. As críticas, a repulsa gerada do prejuízo coletivo, ferem menos os administradores, que a animosidade, a inimizade dos amigos ou parentes prejudicados em suas pretensões. E nada nos magoa tanto, nada nos confrange tanto, como quando essa situação se cria. Daí, então, a razão de preferirem os que governam viver em paz no círculo limitado de suas amizades, ainda mesmo que para isso seja necessário menosprezar os interesses do povo. O dilema se cria, tornando ingrata a arte de governar. Tivemos um Imperador, a mais culta cabeça coroada de seu tempo. Sua honestidade, sua bondade, seu espírito de tolerância, sua magnanimidade, jamais foram postas à prova, evidentes que eram. Deixou, no entanto, de cumprir um tratado assinado com o governo inglês para a construção da Estrada de Ferro Rio Verde que deveria sair de Lavrinhas, mudando-o para Cruzeiro, e isso porque não desejava ver estremecida a amizade que lhe dedicava o fazendeiro e leal amigo, Major Novais. São fatos que enchem as páginas dos jornais, já como rotineiros. Nosso viaduto sobre a estrada de ferro, segundo dizem constitui, se verdade; um desses casos em que o sentido estético da cidade e o senso urbanístico, foram deturpados e preteridos por força de amizades pessoais, respeitáveis e dignas de serem conservadas. Ante a delicadeza do problema, tremem as mãos do timoneiro e o barco continua a deriva; mas os laços das afeições amigas não foram desatados. Somente fica de início, o clamor público como um eco, que gradativamente vai desaparecendo à medida que um bloco ciclópico de cimento e ferro desafia o tempo, perpetuando erros e imperfeições humanas.


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Publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano I, edição nº. 34, de 06 a 12 de janeiro de 1978.

O ORGULHO

É o orgulho, um sentimento muito arraigado na humanidade. Para mim, constitui uma virtude! O orgulhoso se distingue do homem vulgar: “Pisa forte, tem aspecto imponente, traz a cabeça alta, procura atrair as atenções para si”. Meu extraordinário Pai possuía estas características, era um orgulhoso confesso; idealizava e realizava. A cada ideal realizado erguia altar a outros e assim sucessivamente, confiante que era em sua forte personalidade. Um povo assim se ergue e se projeta. O progresso das nações, não nasce do servilismo, mas do orgulho de seu povo. Aí temos o orgulho germânico e o orgulho nipônico, reerguendo suas pátrias de uma derrota humilhante há trinta anos, hoje se sobrepõem aos vencedores na sua tecnologia, na sua riqueza econômica. Parece mesmo existir na própria natureza, até. O orgulhoso jequitibá se sobrepõe à floresta como um varão e seus filhos; o orgulho de nossas palmeiras pela sua elegância; do Corcovado agasalhando o Cristo; a majestade orgulhosa do Amazonas, na luta de igual para igual com o oceano. Quem não sente orgulho pelo seu Brasil, este país tão forte, tão grande, tão pródigo, que nem mesmo as picaretadas das más administrações conseguem destruí-lo? “Este imenso país, dentro do qual, com a densidade de população que tem a Inglaterra, Holanda e outros caberiam os três bilhões de habitantes da Terra”. Nesse imenso organismo que é a nossa Pátria, há uma célula da qual me orgulho; é a minha Cachoeira. Nela nasci, cresci, constitui família e granjeei amizades algumas das quais ainda possuo, resistentes que foram ao crivo da sinceridade. Eu também sou orgulhoso; herança genética, talvez. Possuo mesmo, na balança de minha autocrítica, de um lado a virtude positiva de meu orgulho; do outro a repugnância, o nojo pelas virtudes negativas, que as oculto como todo humano o faz. A situação topográfica de minha terra me orgulha; meus olhos descortinam a Mantiqueira e a Serra do Mar! Orgulho-me do meu povo, hospitaleiro e bom, de nossa pracinha, do soldado do monumento que fiz em moço, do mais belo trevo da Dutra. Sinto muito quando filhos desta cidade, com situação acomodada e sólida, a abandonam sem uma causa justa. Jamais descansarei minha cabeça em outra. Orgulho, dirão, e não só isso, gratidão e reconhecimento ao berço natal. Adoro a minha rua, que tem o nome do meu Pai, mesmo com suas crateras lunares, suas poças d’água nas chuvas, sua sufocante poeira na estação seca, seu viçoso matagal que a ladeia em exuberante fertilidade, com suas cobras e ratos, a corrida desenfreada, fittipáldica, de certos carros ameaçando vidas... Mesmo com tudo isso e com toda a humildade de minha Cachoeira orgulho-me da terra que me viu abrir os olhos e verá fechá-los.


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Publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano IV, edição nº. 201, de 06 a 12 de abril de 1981.

O SABER SEM LIMITES

É comum ouvir-se dizer que a solidão é própria do bruto ou do santo. Não me considero nem uma coisa nem outra, mas nas minhas atividades, quebro às vezes sua constância e arranjo alguns momentos para me isolar e sentir de perto, no silêncio da meditação, o contato balsâmico com as plantas e árvores que no meu quintal abundam. Torno-me ermitão por instantes e desfruto da Sabedoria, da qual, o silêncio é nove décimos, como diz Balzac. E, na herança de minha sensibilidade, meu filho, que também a sente, nela se compraz. Quando meu filho era adolescente fomos desfrutar como algumas vezes eu já havia feito, a solitude e a paz de um bosque que havia no Mato Comprido, no caminho da Bocaina. Dali se descortinava uma paisagem deslumbrante e uma sequência de colinas que à guisa de seios da Mãe Terra se arrastava, tendo como limite o horizonte sem fim. Homens maus, movidos por interesses menores estavam procedendo a sua devastação, onde a queda de cada árvore se assemelhava ao inocente que sucumbe ao machado do carrasco. Paramos estarrecidos diante daquele crime e resolvemos retornar ante o mal estar que sentimos. Pensei em como haveriam de sentirem-se aquelas árvores que, em recompensa à purificação do oxigênio que dá ao homem, do berço no qual balbucia as primeiras palavras, do banco escolar onde inicia o saber, da mesa onde trabalha, no arranjo do lar e por fim ao esquife que o leva à ultima morada, recebiam em troca o golpe impiedoso, ingrato. Admiti o seu sofrimento porque creio na alma das plantas, bem como na de todo ser animado. Endossando minha crença, chega ao meu conhecimento através da imprensa que o cientista norte-americano Cleve Benkester teve contato e êxito em seus diálogos com o mundo vegetal. Esse cientista revolucionou a ciência com seus relatos sensoriais entre homens e plantas afirmando que quando ele sofre uma agressão as plantas ao seu redor reagem com “sensação de sofrimento”. Uma noite, Benkester punha em ordem seu laboratório quando percebeu que no parapeito da janela a sua planta Dracena estava murchando. Enchendo o jarro com água para regá-la, veio-lhe a idéia de ligar o eletrodo de seu polígrafo (detector de mentiras) a uma folha da Dracena, curioso em observar qual seria a sua reação ante a água absorvida. Verificou que o polígrafo registrava uma reação parecida a uma emoção humana, como uma sensação de alívio. E qual seria a reação da planta diante de uma ameaça? Decide queimar uma das folhas e descobre com enorme surpresa que no momento em que acendeu o fósforo a máquina registrou uma reação igual a dos seres humanos, quando sentem medo. Após esta tentativa de ferir a planta, Benkester experimentou situação inversa; feriu-se a si mesmo com a planta ligada ao detector e o vegetal reagiu imediatamente. O cientista chegou à conclusão que as plantas estão, pelo menos, em alguma relação sensorial com o homem. O professor Puskin da União Soviética, psicólogo, com base nos estudos de Benkester declarou, “Parece que as células vivas, mesmo as que não possuem sistema nervoso, têm alma”. Em minha opinião de estudante provinciano a conclusão não é hipotética, mas, axiomática. Nas plantas encontra-se a infância da escalada do Espírito para a Perfeição.



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Publicada no Jornal “O Cachoeirense” Ano IV, edição nº. 192, de 02 a 08 de fevereiro de 1981.

POR QUE CAEM OS IMPÉRIOS

A vaidade é um mal? É um bem? Ela estimula o progresso, a cultura, a civilização, constrói sociedades filantrópicas, hospitais e assiste aos necessitados. Por outro lado estimula sonhos de grandezas que, em se sobrepondo ao escrúpulo, estimulam o Poder e este, por sua vez, a Força e esta, a corrupção. Ser rico, viver na opulência, tem sido a maior preocupação do homem. Seu êxito, seu valor é medido pelo peso de sua fortuna. Assim como o homem, assim também as nações. Levar a pátria na vanguarda dos povos e consagrar seu nome na História era a vaidade maior, o orgulho de reis e imperadores, ainda que para isso fosse necessária uma guerra de conquista. Assim nasceram os grandes impérios que as civilizações nos contam. Calcados sobre sangue, viuvez e orfandade, ergueram-se sobre a égide da vaidade, alimentados pela sua cultura e pela força. Como sinônimos de Civilização, o progresso e a cultura desfilam nas pontas das baionetas. Por que não tiveram duração os impérios, Persa, Assírio, Macedônio, Egípcio, Grego, Romano? Foram todos fadados à decadência porque algo mais que cultura lhes faltou, o Amor ao próximo. Este o destino de todo o Poder, onde este sentimento foi desprezado, por incompatível com as guerras. Somente o amor constrói para a eternidade. Jesus para impor Sua doutrina e difundi-la, não procurou os sábios das escrituras, nem os ricos e cultos, mas tão somente os de espírito humilde, os pobres cujos corações extravasavam Amor e Bondade. Prefere-se a posse da terra, que se vê, a um Reino que não se vê, oculto na abstração. Daí o arrefecimento de Sua doutrina e de seu espírito, mesmo entre as ovelhas de seu rebanho onde, sob a máscara da irreligiosidade e da vaidade, se oculta o desamor, a razão do mais forte, a egolatria. Povos, tidos como religiosos, numa reunião entre paredes encimadas pela imagem do Crucificado, resolvem destruir Hiroshima e Nagasaki e matar cem mil pessoas, crianças, velhos e mulheres; despejam, durante anos, uma tonelada de TNT (dinamite) por minuto sobre o Vietnam e disseminam pela guerra química o câncer de pele em seus habitantes. Ante a vergonhosa derrota, modificam os métodos de conquista e supremacia. Lançam mão de um inesgotável poder econômico, subornando governos dos quais se valem para intrometerem-se na vida das nações, ditarem regras de conduta que visam assegurar e aumentar sua influência na indústria, no comércio e na instrução pública com vistas a desacelerar o processo decrescente de seu prestígio e Poder que se acentua dia-a-dia com a autodeterminação dos povos, que em sua maioridade política se libertam da tutela. Estes impérios que calcaram sob os pés os vencidos, hoje se ajoelham e se humilham ante os vencidos de ontem, levando-lhes uma bagagem de inflação, desemprego, desmoralização política, déficit orçamentário e confessam seu resvalamento para a fatal queda, que a todos leva a falta de Amor, de cooperação mútua e de sentimento cristão. Nenhum império subsistirá com as paixões que o construíram. Mas a moral cristã e a cultura do Amor ao próximo serão as asas que impulsionarão os homens para o Alto.




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